segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Manorexia




Quando elogiam minhas coxas grossas nos dias de hoje, parece que nunca tive dezessete anos e uma anorexia. Quer dizer, manorexia.
Eu não tinha idéia de que a versão masculina dessa mazela mórbida tinha um nome diferente.
Na época eu ia mal nos estudos, e me sentia injustiçado, quando não perseguido pelos professores.
Em casa, meu relacionamento com minha mãe fazia eu sentir geneticamente culpado por todas as desgraças do mundo, e mal conseguia dizer mais do que "oi" para o meu pai. Nosso diálogo parecia ser entre dois loucos, onde um se julgava Napoleão Bonaparte, e o outro sequer sabia seu nome.
Com meus irmãos, eu era como a Rainha de Copas e só faltava dizer-lhes: "Cortem a cabeça!".

Pra completar, eu estava vivendo um momento de berlinda quanto a me aceitar ou não como homossexual e sair do armário, e ainda estava perdidamente apaixonado por um amigo hétero. Em meio a tantos clichês de dramalhão mexicano com tragédia grega, seguindo a cartilha de "titio" Freud temperado com um pouquinho de Shakespeare, eu sabia que há anos não vivia, apenas existia.
O mundo não parecia me oferecer nada de interessante, nem um pouco de prazer, e em reflexo a tudo isso eu me entreguei a uma depressão profunda e parei de comer. Não me achava gordo diante do espelho, mas não conseguia comer. Tinha uma angústia enorme com a comida na minha frente. Sabia que tinha fome, mas mesmo tentando, a comida não descia a garganta. As próprias tentativas infrutíferas de comer me causavam náuseas.

Chegou uma época em que meu cabelo começou a cair, a depressão parecia ainda maior e eu raspei a cabeça. Nem sei se meus pais repararam na queda de cabelos. Quer dizer, minha mãe podia até ter notado algo, porque sempre reclamava dos fios que ficavam no chão do box do banheiro. Descobri com essa depressão que eu senti, que nos meus momentos ruins, não importa o quão boa seja a intenção de ninguém, a emenda sempre sai pior que o soneto. Toda tentativa alheia de me tirar de meu estado depressivo, só faz aumentá-lo exponencialmente.

Cheguei a virar "bolinha de pingue-pongue" de consultórios de psicólogos e psiquiatras, o que não adiantou muito. E os comentários dos outros era: "Nossa você está muito magro. TEM QUE ganhar um peso!". Como eu tinha vontade de ter uma bazuca com munição infinita e dar um tiro na cara de todos que me torravam o saco e não me deixavam viver minha vida. Não que eu me entregasse a depressão, mas de alguma maneira, RESPEITAVA o que estava sentindo no momento. O foda é que eu parecia ser o único. Meu pai só sabia dizer: "Que horror, meu filho, você está cadavérico."

Escutava Adriana Calcanhoto e Marisa Monte o dia inteiro. O inusitado foi me descobrir apaixonado pelas Spice Girls, tempo depois. Cantava em voz alta rua a fora as músicas "Who do you think you are", "Naked" e "Never Give Up On The Good Times" e aos poucos passei a me aceitar melhor sob muitas maneiras diferentes. E percebi que apesar de o mundo inteiro ordenar em tom imperativo: "Adeque-se"!!!!!", ser diferente (não por ser diferente, de pirraça, mas respeitar minha maneira de ver sentir e querer as coisas) me soa mais interessante que fazer parte de uma linha "Fordista" de massa humana. Descobri que os meus prazeres e desejos são considerados absurdos pelo CONTRA-senso comum. Então existe um grande impasse: satisfaço-me ainda que o mundo me condene, ou faço o que querem e definho, porque ainda que eu siga o passo a passo da cartilha de "como viver em sociedade_e deixar de viver a própria vida para cuidar da vida alheia e saber que ja cuidam da minha", nunca vai estar bom o suficiente para os demais símios registrados pelo governo.

Minha anorexia, quer dizer, manorexia_eu nunca acerto de primeira_ veio da sensação de inadequação com tudo e o resto. Apesar de eu saber que vivo em uma sociedade, a quase maciça maioria dos modelos que tenho de seguir não me parecem caber em mim. Percebi que existem apenas dois tipos de pessoas no mundo: você e o resto. E nunca há concordância entre as partes.

Acho que começa aqui "A Saga do Garoto Weltschmerz".

Nenhum comentário:

Postar um comentário