Após revelar minha sexualidade aos meus pais, as coisas ficaram muito instáveis.
Andar em ovos parecia fácil perto disso.
Eu sei que os filhos quando se revelam sexualmente ativos não dizem em tom de confissão aos pais suas heterossexualidades. Então por que raios fui dizer a eles que eu era homo?
Primeiro, porque é na casa deles em que eu vivia e julgava dever-lhes um mínimo de satisfação.
Segundo, porque morando em uma cidade de interior, a última coisa que eu queria é que meus pais fossem os últimos a saber da notícia, em tom de fofoca, pela boca dos outros.
Terceiro, porque eu queria tirar um "piano" de minhas costas. Viver dentro de um armário era uma das coisas mais horríveis pra mim.
Sentia-me como um criminoso de um crime não cometido. Eu posso dizer que não "saí", mas "queimei" meu armário atrás de mim. Tudo o que eu fazia e que as pessoas se chocavam, parecia ser mais efetivo agora, que me assumi como sou. E em tom de sarcasmo, comecei a ser cada vez mais ácido com todo o meio em que fui criado e recusar, a partir daí, a sequer cogitar uma volta às adequações, ao armário ou cofre-forte social que semprem querem me trancar dentro.
Nenhuma de minhas lembranças parecem distantes. Tudo sempre parece que foi ontem. Volto aos treze anos, quando meu guarda roupa só tinha roupas pretas. Eu também pintava meu rosto e minhas unhas da mesma cor. Aos dezessete, quando "soltei a franga", o mundo não ficou mais colorido pra mim, mas eu sim.
Percebi que minhas cores (metafóricas ou literais) não precisavam agradar a ninguém senão a mim.
O problema é que infelizmente o homem não tem o direito de ser uma ilha isolada e deserta. E que nosso telhado sempre está à mercê das pedras alheias, tendo você feito ou não alguma coisa para quem te apedreja.
Em casa, minha mãe de tempos em tempos fazia "palestras" sobre gênero, sexo, família e religião (sempre girando em torno de "O homem foi feito pra mulher, a mulher para o homem e tudo que fugir disso está errado") e tudo o que ela falava não fazia o menor sentido para o meu então atual estado, mas eu não podia dizer isso, ou o sermão da montanha não terminaria nunca, e eu corria o risco de levar uma no quengo. Só aí eu havia percebido quantas expectativas minha mãe criara a meu respeito. Ela tinha planos traçados para minha infância e como eu me desenvolveria (saindo tudo o contrário do que ela queria); minha adolescência e com quem eu me relacionaria (deu mais errado ainda), e até como seriam fisicamente os netos que ela estava certa de que eu daria a ela (nem preciso dizer o resultado disso). Em contrapartida, eu só queria uma mãe que me entendesse.
E só hoje eu percebo que eu me odiei muito ao longo do tempo, por ficar na berlinda entre ser quem eu sou e deixar finalmente de lutar contra isso e contra MIM, e tentar me encaixar em qualquer contexto que tenha a ver com os outros. Tudo o que eu preciso é amar o Rochester. Parece simples, mas o Rochester que eu amo, o mundo odeia (se odiassem em silêncio no cantinho, tava bom, mas tripudiam e torturam).
Deve ser bom arrancar um pedaço da alma dos outros, penso eu. Só isso justifica os relacionamentos humanos, o temor alheio (sim, Rochester é proibido para pessoas de moral e bons costumes. Tá bom....sei!) ou inveja ( e com isso voltam a me atacar, porque o Rochester faz o que muitos gostariam de fazer ou dizer, mas não tem coragem). E o Rochester que o mundo gostaria que eu fosse, enquadrado e conformado, eu torço o nariz e recuso.
Não preciso dizer que o Jota por muitas vezes se sentiu deslocado ao meu lado, ou que Eme, por várias vezes disse que gostaria de ter a minha coragem de ser eu mesmo...ou do quanto assustei o "garoto da feira estudantil", que procurava se encaixar de alguma maneira com o sistema (aí, vem aquela máxima que ninguém de perto é normal), uma vez que ele não estava em conformidade com o sistema, sendo filho de uma relação extra-conjugal de uma mãe evangélica fervorosa e um pai machão, que cultivava "bons hábitos em família. O garoto tentava à sua maneira conciliar ser feliz, agradar ao pai e a mãe
Não quero com isso julgar ninguém. Eu sei que cada um sabe a dor e a alegria ( se é que ela existe, pois já vi que muitas vezes ela é apenas uma encenação) de ser quem se é.
Descobri com isso que pagamos um preço alto por TUDO o que fazemos, deixamos de fazer, ou deixamos que nos façam. E descobri com muita dor o mais óbvio. Não se faz omeletes sem quebrar ovos.
Descobri a partir daí, que havia um sujeito muito afim e carente de minha atenção, meu carinho, e meu amor: EU.
Eu e a pessoa social que eu deveria ser "estamos" nos relacionando mais intimamente há algum tempo, entre beijos e murros, porque ainda não consegui deletar essa programação maldita na qual me desenvolvi.
Ei! Eu amo o Rochester! ♥
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