domingo, 6 de junho de 2010

Nostalgia de Junho (Querido Diário: Meu Primeiro Amor)





Terminar com "Eme" me fez perceber que eu não fui inconveniente só com Jota. Acho que até adquirir essa consciência, eu não me dei conta de que eu era inconveniente por natureza, pedante mesmo. Uma cola grudenta e carente. Mendigava migalhas de afeto e atenção o tempo todo. Essa experiência indigesta me levou a um passado ainda mais distante. A primeira vez em que me apaixonei. É...eu ainda lembro. Quer dizer, não esqueço.

Doze anos. Eu era um garoto magro, desengonçado e achava que todo mundo era mais bonito e mais interessante que eu. Eu vinha de uma criação que me fazia ter vergonha de coisas simples e normais, e a lei magna que me foi passada era: "Homossexualidade é uma coisa nojenta, mas homossexuais merecem respeito". Como não havia tecla SAP na época, a tradução seria assim: "Olha, meu filho, respeite os gays, mas não seja um pelo amor de Deus...ou o caldo vai ENTORNAR.". E eu, todo programado, coitado, acreditava naquilo que foi dito, sentia desconforto quando via travestis na tevê ou na rua e me causava um mal estar danado quando ouvia um homem dizer que tinha namorado.Engraçado, eu sentia nojo mesmo.

A imensa ironia do destino estava no pátio do colégio Macedo, numa feira estudantil. Eu estava entre amigos e fui apresentado a um rapaz que pelas roupas e postura, parecia todo largado, no melhor estilo funkeiro. Tinha tudo pra não despertar minha atenção, até mesmo porque, nem fisicamente tinha atributos que me atraíam. Mas não é que o filho da puta do cupido tinha me flechado naquele instante? Tentando não transparecer, quando nos cumprimentamos, apertei sua mão firmemente, falei algumas besteiras e fui fazer outras coisas. Era tarde. Meu estômago revirava, eu suava frio e sentia um sobe e desce por dentro...

Pois é, isso só fez confusão na minha cabeça. Eu me apaixonei MESMO por um homem e de acordo com o que me foi ensinado em casa, eu passei a ter nojo do menino, de mim, e a partir daquele momento, de qualquer casal, inclusive hétero. O mundo me parecia cruel e todos me cobravam uma namorada, especialmente porque meu primo, saidinho, já tinha as namoradas dele. Houve um tempo em que eu tive minhas namoradas também. E quer saber? Eu realmente gostei delas, mesmo porque, eu me envolvia com o ser humano que estava comigo, e ao mesmo tempo, tentava me relacionar da maneira que me ensinaram como correta. Minha primeira namorada era Michele. Doidinha de pedra, um espírito libertário, extremamente avançada pros seus treze anos.

Ficamos um ano juntos. Como eu não trabalhava na época, eu guardava todo o dinheiro que meu pai me dava e muitas vezes fazia o percurso de casa a escola a pé. Assim a gente comia no shopping, ia no cinema...
Eu no fundo tinha inveja da Michele por muitas coisas. Sua maneira de se vestir, de ver as coisas, de se mexer, tudo me fazia querer ficar sempre perto dela. Nunca a apresentei aos meus pais, nem a levei em casa.
Achava que não tinha de abrir as portas do hospício pra ninguém. Fato esse, que raramente levei amigos à casa de meus pais.

Passado um ano com Michele, ela se mudou para outra cidade. E um bom tempo depois, ela me escreve uma carta dizendo que sentia saudades, que estava bem e se relacionava com outra pessoa e que era pra eu torcer muito por sua felicidade. Sua alma gêmea se chamava Mariana.Eu fiquei sem chão pra pisar.Parte de mim se sentia um péssimo representante do gênero masculino enquanto a outra parte tinha ainda mais inveja de Michele, por ter conseguido buscar sua felicidade nos braços de alguém igual. E com isso, voltei a pensar e querer ainda mais aquele garoto da feira estudantil.

Só que entre o pensar e querer havia a vida real, onde eu já me via fuzilado por gostar de um homem, já me imaginava sendo condenado pela família e excluído do círculo de amigos. Mas minha imaginação até então era minha amiga, porque eu não imaginava ser rejeitado pelo garoto. ISSO, até encontrar com ele em meio aos nossos amigos em comum. Aí tudo mudava. Eu voltava a ter os calafrios, o céu pra mim sempre ficava turvo e eu me sentia frágil e desprotegido, somando-se a isso o fato de eu estar sentindo isso sozinho, sem poder compartilhar com ninguém. Se eu era uma criança solitária _estando sozinha mesmo_ agora eu era um adolescente solitário em meio a muita gente. Parecia incomodar mais.

Tive outras namoradinhas. Os namoros começavam, acabavam e eu tornava a querer o garoto da feira estudantil. As coisas se repetiam de uma tal maneira, que meus pesamentos pareciam mais um mantra. Eu acabei desenvolvendo mil faces, nunca demonstrando a ninguém o que eu sentia de verdade.E parecia que tudo o que menos queriam de mim era a verdade. Essa brincadeira de esconde-esconde emocional durou cinco anos. O menino  já estava mais próximo de mim, como um amigo que nem desconfiava do quanto eu o desejava. Tínhamos bastante amigos em comum, e nos vermos era quase inevitável.

Nessa época o tal menino parecia ser o adolescente mais popular da escola onde estudava, tinha uma namorada muito bonita e que parecia não gostar dele tanto quanto ele parecia gostar dela. Nisso eu também fui percebendo o quanto as pessoas vivem de aparências mesmo e eu definitivamente não era o único.

Quando eu o via triste, só Deus sabe o quanto eu queria abraçá-lo, colocar sua cabeça em meu colo e dizer que ia ficar tudo bem e que eu estava ali pra ele. Porém eu não era nem de longe a pessoa com quem ele queria estar, mas a namorada, e que ela correspondesse aos seu sentimentos.

Percebi que ter expectativa é acertar todos os números da loteria da frustração. E assim eu entrei na ciranda da "Quadrilha" da  "Flor da Idade":"João amava Teresa, que amava Raimundo, que amava Maria, que amava Joaquim, que amava Lili, que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para a tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes,que não tinha entrado na história.". Eu era um estepe invisível na história. Ninguém parecia me amar naquele momento.

Como eu queria amar e ser amado sem ter de precisar dar satisfações ou me sentir culpado pela inadequação de estar gostando e querendo TANTO alguém do mesmo gênero. E queria sim, que o "Pedro Bó", que gostava da Paulinha, me enxergasse e soubesse que meu coração só faltava saltar da boca quando ele estava perto de mim e que se eu fosse um cachorrinho, perderia o rabo de tanto abaná-lo por causa dele.


Aos dezessete anos, tomei coragem suficiente e me declarei pra ele, assim como contei para meus pais que eu estava perdidamente apaixonado por um homem. E se por cinco anos eu tentei matar meu sentimento, a partir de agora eu me afundava de vez no amor platônico. Hoje não tenho mais contato com o "menino da feira estudantil", não sei como vive, como está fisicamente, mas ainda guardo no coração a pessoa que ele foi e às vezes, muito de vez em quando, ainda tenho uma saudade dos abraços e beijos que não demos.





Um comentário:

  1. Ahhh... fiquei curiosa pra saber qual foi a reação de seus pais e do menino da feira estudantil!! =/

    ;*

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